Rio de Janeiro, 18 de março de 2013
Alunos de eletrotécnica recebem certificado de conclusão sem assistir a nenhuma aula e sem realizar estágios obrigatórios. Uma pessoa que nunca entrou numa sala de aula, nem fez uma única prova, faz, por exemplo, projeto de instalações elétricas para prédios e shoppings. Assista a matéria aqui.
As ofertas estão na internet, em panfletos distribuídos nas ruas e em classificados dos jornais. Eles vendem certificado de ensino médio, cursos técnicos e até mesmo diploma de curso superior.Em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, fica um dos lugares que vendem o documento. Tem um nome adequado: Curso Imediato.
Sem saber que estava sendo gravada, a funcionária Rose recebe a produção do Fantástico. “São R$ 2,8 mil. Se você quiser pagar à vista, você tem 10% de desconto”, diz Rose.
Em dois dias, o aluno, sem assistir a uma aula, recebe o certificado de conclusão do curso. Rose: Hoje é quinta. Se você conseguisse hoje já, a gente tentar adiantar alguma coisa. Aí quando for sábado eu já te entrego o documento.
Repórter: Você entrega o quê?
Rose: A certidão de conclusão do curso, mais o seu histórico de notas com a carga horária. E também o seu estágio. Com isso aqui, você consegue dar entrada já no CREA.
O Crea, Conselho Regional de Engenharia, é o órgão que fiscaliza e emite o registro para os profissionais da área.
Rose mostra o diploma de eletrotécnica de um dos alunos: Daniel Augusto Sobral. Ele teria feito 1,2 mil horas de aula e 240 horas de estágio. É uma prática comum ninguém assistir aulas nem fazer provas neste curso.
Repórter: Agora, eu não vou precisar fazer prova, não é?
Rose: Não! Todos esses que estão aqui, nenhum fez prova.
Repórter: Nem assistiram aula?
Rose: Aqui nenhum assistiu aula.
Encontramos Daniel, no subúrbio do Rio. Ele mostra o registro no Conselho de Engenharia: “Está aqui meu Crea, está aqui”. O nome de Daniel está no site do conselho e foi também publicado no Diário Oficial do estado.
O Curso Imediato também vendeu um diploma para Jader César do Nascimento. Jader se apresenta como dono de uma empresa de edificações. Ele se diz capacitado a fazer todo tipo de obra e recomenda o curso de Rose: “É bom. Pode fazer que é bacana, sim”, diz.
Procurado pelo Fantástico, Daniel confirmou que não fez aulas.
Daniel: Não foi bem aula. Foi palestra.
Repórter: Você não fez estágio?
Daniel: Não.
Repórter: Você não fez prova?
Daniel: Não.
Por telefone, Jader negou a compra do diploma.
Repórter: Você comprou esse diploma de eletrotécnica?
Jader: Não, não. Desconheço isso.
O diploma mais cobiçado é bem mais difícil de negociar.
Repórter: Terceiro grau vocês têm?
Rose: Eu até tenho. Mas só que é muito sigiloso. Entendeu?
Repórter: Mais ou menos em que faixa?
Rose: R$ 40 mil.
O Fantástico entra no curso de Rose agora se identificando.
Repórter: Nesse local vocês vendem diplomas de cursos técnicos?
Rose: Não. A gente trabalha com cursos técnicos, mas não diplomas vendidos.
Na filial do Curso Imediato em Nilópolis, também na Baixada Fluminense, é possível comprar um pacote de diplomas.
Marise: Se você for fazer o ensino médio junto com um curso desse técnico, a gente faria para você até R$ 3,3 mil.
Marise: Só o curso técnico sai quanto?
Funcionária: R$ 3 mil.
O Curso Imediato faz parte de um esquema com diplomas de escolas reconhecidas oficialmente. O certificado da escola Andreas Brunner, do Rio de Janeiro, é oferecido em outras partes do Brasil.
Em São Paulo, uma mulher só exige uma redação, uma prova e o pagamento. “O seu diploma vai vir com Andreas Brunner”, diz a funcionária.
No lugar da redação, copiamos uma crônica do escritor Luis Fernando Verissimo.
Repórter: Olha, a redação. Você quer dar uma olhadinha. Se é mais ou menos isso que precisa?
Funcionária: Parece que está bem legal. Está bom.
Pagamos o combinado.
Repórter: Eu mandei muito pouco. De 90 questões, eu fiz umas 10 só.
Funcionária: Fica em paz.
Repórter: Eu não sou o único que entrega a prova em branco?
Funcionária: Não, a maioria.
Por telefone, a mulher negou o esquema. Também por telefone, um dos donos diz que é vítima de falsificações: “Eu já tive documentos até do Paraná falsificados. Aqui no Rio, no próprio Rio de Janeiro, gente falsificando”, afirma.
O esquema também acontece em Belo Horizonte. A conversa é pelo telefone.
Repórter: O senhor tem o curso técnico também?
Funcionário: Tenho. Qual área você está precisando?
Repórter: Eletrotécnica.
Funcionário: Sai a R$ 1 mil.
Voltamos no Curso Imediato de Nilópolis, Marise negou o comércio de diplomas: “Nós não vendemos diploma. Os alunos fazem prova. Nós temos prova. Nós temos tudo aqui”.
O Imediato também negocia diploma da escola Cemob, de Angra dos Reis, que tem registro no Conselho Estadual de Educação. Cabe ao conselho fiscalizar a qualidade das escolas.
“É uma vergonha, é realmente um estelionato. É gente que está vendendo diploma. Vamos pedir à Secretaria de Educação que encaminhe ao Ministério Público denúncias consistentes sobre esses colégios”, afirma o presidente do CEE-RJ, Roberto Guimarães Boclin.
O Crea já investiga o Cemob por causa do excesso de registros de profissionais.
Por telefone procuramos a direção da escola, que não quis receber nossa equipe, mas admitiu que já teve parcerias com o Curso Imediato.
“Isso que nós assistimos acontece em muitos estados, principalmente nos mais desenvolvidos e é um crime. Esses técnicos formados dessa maneira, por serem leigos, eles podem cometer erros técnicos. E esses erros técnicos levarem, por exemplo, a um desabamento de uma casa, de um prédio”, avalia o presidente do CREA-RJ, Agostinho Guerreiro.
Fonte: Matéria veiculada, no dia 17 de março, no Fantástico