Moradores de Palmares voltaram a ocupar as casas às margens do Rio Una, nove meses após a cheia
Ciara Carvalho
ciaracalves@gmail.com
Uma perigosa normalidade ronda os moradores das áreas ribeirinhas de Palmares, uma das cidades atingidas pela enchente que devastou, há nove meses, a Mata Sul do Estado. A maioria voltou a viver nas mesmas casas que foram engolidas pela força das águas, em junho do ano passado. Há residências, nas margens do Rio Una, que foram reconstruídas, com paredes, telhados e portas novas. É a repetição de um erro histórico, como se a tragédia, mais uma vez, não deixasse nenhuma lição. Das 2,6 mil casas prometidas pelo governo do Estado no município, apenas 70 estão prontas. A incerteza aumenta com a proximidade de um inverno que os meteorologistas alertam: será bem rigoroso. Sem ter para onde ir, os moradores se vêem na mesma situação de sempre, tendo o medo como único companheiro.
Na casa da estudante Eliza Gomes, 14 anos, a placa “Interditado” da Codecipe virou um quadro na parede branca da sala pintada de cal. É a lembrança da enchente que ficou na residência recém reformada. O telhado é novo, o teto de PVC também. Mas a pintura nova não esconde o risco: o quintal da estudante é o Rio Una. Quando a água subiu, no ano passado, a cozinha veio abaixo. As paredes mal ficaram de pé. Eliza mora na Avenida José Gouveia, no bairro da Cohab 2, um dos mais atingidos pela cheia. O vizinho dela, o motorista de ônibus Francisco Albuquerque, ficou 10 horas pendurado num pé de manga e por pouco não foi arrastado pela maré. Foi resgatado de helicóptero pelos bombeiros. Com o primeiro andar completamente destruído, Francisco voltou a morar com a família no térreo da casa, cujas paredes estão rachadas. “Não tenho o que fazer. Não vou viver minha vida em abrigo”.
A promessa feita logo após a tragédia de que a população ribeirinha ganharia uma nova casa, longe do perigo, é vista com descrença entre os moradores do bairro. Para reforçar a desconfiança de que tudo permanecerá como antes, a avenida onde a estudante e o motorista moram está sendo novamente asfaltada. Um calçamento novo bem do lado do rio. “Isso é o mais grave. Estamos repetindo os mesmos erros de sempre. A principal lição dessas enchentes deveria ser a preocupação com o reordenamento urbano. Com a calha do rio invadida por casas, as águas não têm para onde correr. E, a cada nova enchente, os efeitos são ainda mais devastadores”, alerta o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA-PE), o engenheiro José Mário Cavalcanti.
Logo após a tragédia, a entidade mobilizou um grupo de voluntários que passou cerca de seis meses em Palmares fazendo um levantamento dos prejuízos causados pela enchente. Um relatório com as conclusões desse trabalho foi entregue esta semana ao prefeito da cidade. “Pagamos um preço muito alto pela falta de planejamento. Além de perdas humanas, o custo de reconstrução de áreas destruídas por enchentes é seis vezes maior, comparado a novas construções”, afirmou o engenheiro. A dona de casa Gisele Cristina da Silva, 25, não teve muita opção. Acabou de gastar R$ 2 mil para reerguer parte da residência que foi destruída pela chuva. Cansada de esperar pela casa prometida, preferiu se arriscar a perder o investimento feito. “Se tiver enchente de novo esse ano, sei que o gasto poderá ter sido em vão. Mas eu ia fazer o quê? Morar numa casa sem paredes?”.
VINCULADA
Famílias continuam debaixo de lona
Publicado em 19.03.2011
Na última quinta-feira, o desempregado Cícero da Silva, 30 anos, sua mulher e quatro filhos completavam exatos 218 dias vivendo numa barraca de lona. O calor dentro da casa improvisada é insuportável. De nada adianta o ventilador ligado. O vento produzido é tão quente que as crianças têm dificuldade de respirar. Sob um sol escaldante, Cícero vive de espera. Dorme e acorda sonhando com o dia em que alguém do governo vai chegar no acampamento, onde ele vive com mais 73 famílias, para anunciar que a casa prometida ficou pronta.
Sem informações oficiais, ele faz o que pode para conter a ansiedade. Sábado passado foi sozinho no loteamento Quilombo 1, uma das áreas mais elevadas de Palmares e onde estão sendo construídas 300 casas para os desabrigados da enchente. Contou 36 residências prontas. Achou pouco. “Tem muita gente sofrendo, esperando uma casa nova. Disseram que nessas só falta colocar luz e água. As outras vão demorar mais ainda.”
Na quinta-feira passada, quando a reportagem esteve no loteamento, um dos encarregados da obra contabilizou 70 residências em fase final de acabamento. O percentual é mínimo perto das 2,6 mil prometidas pelo governo do Estado para abrigar os moradores atingidos pela tragédia.
A entrega das casas vem sendo anunciada desde o ano passado, mas o prazo é sempre prorrogado. Com a proximidade do inverno, aumenta o desespero das famílias que permanecem vivendo debaixo de lonas. “Pelo ritmo que vai, acho que não vão conseguir entregar antes das chuvas desse ano”, lamenta Cícero. De acordo com nota divulgada pela Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab), responsável pelas construções, as 300 casas serão entregues até o final deste semestre. Outras 400 imóveis ficarão prontos até o final do ano.
Além das 74 famílias que estão vivendo no acampamento improvisado, outras 25 continuam abrigadas no Centro Social Urbano de Palmares. Segundo informou a Secretaria de Obras de Palmares, as primeiras casas construídas serão entregues justamente à população que continua desabrigada. Em relação às casas localizadas nas áreas ribeirinhas, que voltaram a ser ocupadas, a prefeitura afirmou que está sendo feito um estudo para definir que providências serão tomadas nessas áreas.
*Fonte: Jornal do Commercio – publicada dia 19 de março de 2011 no caderno de Cidades