Recife, 11 de outubro de 2012
O Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Pernambuco (Crea-PE) promoveu, na última terça-feira (09), um encontro técnico para discutir mobilidade urbana na Região Metropolitana do Recife. Na reunião, realizada na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), no Recife, estiveram presentes lideranças políticas, representantes de entidades de classe, da sociedade civil organizada, secretários municipais, especialistas, diretores e conselheiros do Crea-PE. A apresentação do Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana do Recife (PDTU-RMR) foi feita pela engenheira civil Regilma Souza, que foi coordenadora geral do grupo responsável pelo documento concluído em 2008. O plano projeta cenários para 2012 e 2020.
Com a discussão em torno do PDTU, o grupo encontrou subsídios técnicos que reforçam a ineficiência dos quatro viadutos como solução para a Avenida Agamenon Magalhães, conforme a proposta feita pelo Governo do Estado. “Os elevados não estão contemplados no PDTU, por isso entendemos que não são necessários para a implantação do corredor norte-sul. Esse sim é importante para a mobilidade na Região Metropolitana do Recife”, afirmou o presidente do Crea-PE, José Mário Cavalcanti.
Na opinião do especialista Stênio Cuentro, um dos erros do poder público foi a implantação somente da primeira e quarta perimetrais (Agamenon e BR-101 Sul, respectivamente) e parcial da segunda. “A Agamenon hoje cumpre o papel de três perimetrais. Um erro que não pode ser corrigido com outro erro, que são os quatro viadutos”, frisou Cuentro, lembrando que essa discordância é corroborada por grande parcela dos técnicos em mobilidade e transporte envolvidos na discussão.
Primeira a manifestar sua opinião, a engenheira civil e coordenadora da Câmara Temática de Acessibilidade do Clube de Engenharia de Pernambuco, Manuela Dantas, afirmou que foi perdido o prazo para fazer o que está proposto no PDTU. “Já deveríamos ter iniciado a implantação do Plano há quatro anos. 38% da população do Recife têm algum tipo de deficiência, por isso precisamos fazer uma cidade acessível”, disse. Ela acrescentou ainda que, de acordo com legislação federal, todo o mobiliário público de uso coletivo deveria ser acessível até 2008. “Vemos que a prefeitura e o Governo do Estado são omissos quanto ao cumprimento das leis. Nós, que fazemos o controle social, estamos atentos e exigimos condições de acessibilidade como prioridade número um na cidade do Recife”, concluiu Manuela, que é cadeirante e enfrenta sérios problemas de mobilidade.
Para o presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco (CAU-PE), Roberto Montezuma, é necessário se discutir a cidade que se deseja, antes de qualquer intervenção. “Uma ação de mobilidade tem rebatimento e pode até desmontar a economia do lugar. Não são ações abstratas da cidade, elas são ações concretas, mas que estão interligadas por outras questões. Além de discutir mobilidade, tem-se que discutir cidadania e identificação do lugar. Deve se retomar o projeto de cidade. Da cidade que queremos ter, relacionadas com as questões econômicas, sociais, ambientais e etc”, avaliou.
Na visão do especialista e professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), engenheiro Maurício Pina, apesar de o Recife ser uma cidade rica em planejamento, e que tem tido avanços significativos quanto aos estudos de expansão, é necessário uma atualização do PDTU com base nos resultados de uma nova pesquisa origem/destino. “Depois de 2008, quando o Plano foi concluído, a cidade já passou por grandes modificações. Tivemos, por exemplo, a criação de vários polos geradores de tráfego, a exemplo da expansão dos shoppings Plaza, Boa Vista e Recife, a implantação de diversas faculdades em grandes corredores da cidade, empreendimentos de lazer, assim como o desenvolvimento das cidades de Vitória de Santo Antão, Goiana, além do Porto de Suape. Por tudo isso, entendemos que a atualização do Plano de Mobilidade deve ser uma luta de todos os segmentos da sociedade”, disse.
O presidente do Instituto Pelópidas Silveira, arquiteto Milton Botler, defende que mobilidade comece na calçada. Para ele, a cidade é fruto do planejamento adotado por vários atores em diversos fóruns e, por isso, não se pode atribuir responsabilidades somente a alguns. Em sua opinião, dizer que a redução do IPI é uma medida que contribui para o caos é um equívoco. O que precisa é o município disciplinar o uso do espaço urbano pelo veículo individual. Botler defende que o PDTU não só deva ser atualizado, como também precisa contemplar, por exemplo, as áreas de morros onde mora, aproximadamente, um terço da população da cidade.
A secretária especial da Prefeitura de Ipojuca, arquiteta Simone Osias, também defende a atualização do Plano que, em sua opinião, é um documento de grande importância e que não pode ser engavetado. Para ela, já que muitos municípios não foram ouvidos na época da concepção do documento, essa será uma ótima oportunidade para serem inseridos no processo.
“Nos sentimos órfãos quando da execução de obras de grande importância para o nosso município, a exemplo da construção da PE-60. Ipojuca é uma cidade que terá 300 hectares ocupados por 24 mil habitações, onde deverão viver mais de 200 mil pessoas. Estamos estimulando a criação de distritos industriais e corremos o risco de vermos desincompatibilizado o processo de crescimento do município e das obras”, pontuou Simone.
Na opinião da arquiteta Amélia Reinaldo, repensar a lógica da cidade do automóvel é uma premissa. “Precisamos da cidade a pé, da cidade do cadeirante. Não vamos perpetuar a lógica do automóvel”. Para ela, o processo de planejamento é permanente. “Precisamos atualizar o PDTU com novos elementos. É essa a condição para torná-lo uma cartilha do cidadão e assim ser algo impositivo, que de fato aconteça”, sugeriu, lembrado que, mesmo com os dados do Plano defasados, a partir dele é possível discutir a construção ou não dos viadutos da Agamenon Magalhães.
O professor da Universidade de São Paulo (USP), que veio especialmente para participar da reunião, Felipe Kabbach Júnior, elogiou a iniciativa do Crea-PE em discutir a questão e concordou que um plano diretor não pode estar dissociado da questão do uso e ocupação do solo. “Costumamos ouvir que no Brasil não se sabe planejar, mas existem planos que não são implementados por gestores e acabam desatualizados. Os tipos de conflitos nas áreas urbanas – dos automóveis com ciclistas e dos ciclistas com pedestres -, o plano diretor tem que levar em conta. Sentimos falta de um plano que defina e conceitue um plano operacional integrado sob o ponto de vista físico e tarifário. A incompatibilidade de planos acaba inviabilizando os projetos seguintes”, defendeu.
O especialista e professor da Universidade Federal de Pernambuco, engenheiro César Cavalcanti, tem preocupações quanto a falta de acesso a alguns detalhes do PDTU. “Sentimos pesarosamente o esvaziamento provocado pelas razões mais diversas, inclusive por falta de recursos, do plano que concebemos. Planejar é pensar antes de agir. Um fato preocupante é o desconhecimento dos detalhes do PDTU. Tentei durante muito tempo obter dados sobre o documento e não tive acesso para verificar e discutir se essas informações representam o caminho mais correto para nossa cidade. Não sei se o plano contempla os custos do transporte individual. Precisamos cobrar dos usuários do transporte individual os custos que impomos a toda a sociedade com esse modelo que estamos adotando”, disse o professor, sugerindo que seja instalado um Seminário Permanente de Planejamento da Mobilidade na Região Metropolitana do Recife. “Precisamos trazer os resultados que toda a população precisa e merece”, concluiu.
Convidado a participar do encontro, o deputado estadual Aluísio Lessa lembrou que, “embora não tenha o poder de legislar quando a matéria exige a aplicação de recursos financeiros, é importante que a Assembleia seja inserida nas discussões acerca da questão. O transporte público é tema fundamental para quem vai governar a cidade a partir de 1º de janeiro. O debate veio numa hora apropriada, já que teremos a formação de uma equipe de transição”, ressaltou.
Depois de ouvir vários comentários, opiniões e sugestões acerca do PDTU Regilma Souza disse que o principal entrave do Plano é a falta de gestão. “É verdade que não ver retratado o que pensamos nos incomoda. Há uma série de ações do plano que não começaram a ser implementadas, portanto ainda há tempo. Talvez haja algo no plano que necessite ser alterado, não tem problema. O importante é que não iniciemos, por exemplo, uma nova pesquisa origem/destino e, enquanto isso, deixemos o plano escanteado. Os dois podem andar paralelos. Acho que a gestão do plano precisa ser eficaz, que haja espaço para ver, escutar e compatibilizar as coisas com calma”, sugeriu a coordenadora.
ASC do Crea-PE